Educação

Noite de celebrar a inclusão real

Alunos da Escola Estadual Dom João Braga concluem o Ensino Médio em formatura junto ao colega Dudu, autista que deixa inúmeros ensinamentos à turma

Foto: Jô Folha - DP - Eduardo da Silva Pernas conclui Ensino Médio em celebração com os colegas

Por Michele Ferreira
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A turma é a 231. A noite é de celebração. E o motivo vai bem além da conclusão do Ensino Médio. Ao festejarem a conquista, a partir das 20h30min desta sexta, os 16 estudantes da Escola Estadual Dom João Braga estarão fazendo eco, mais uma vez, à inclusão real. Entre os alunos, o jovem Eduardo da Silva Pernas, 23, também erguerá o canudo. Autista em grau moderado, o que menos importa são as notas ou o desempenho escolar ao longo de 2022. Ao vestir a toga e distribuir abraços aos colegas, Dudu encerra um ciclo - simbólico, é verdade - e deixa inúmeras lições não só à gurizada.

Na manhã desta quinta (8), o Diário Popular esteve na instituição para conhecer esta história tão bonita. Entre risos, lágrimas, bom humor, balas, pirulitos e marshmallows, conhecemos as grandes mensagens que ficam. Para todos e todas. Estudantes, professores e funcionários. Mesmo para os mais experientes.

É o caso da educadora especializada Lisete Gatto. Com mais de 30 anos de carreira, ela sabe bem: não há fórmula pronta. Não existe algo que se possa repetir com a certeza de que os resultados serão os mesmos, ainda que as crianças e adolescentes que estejam recebendo o suporte sejam os mesmos. No caso do Dudu, os personagens de que tanto gosta viraram fios condutores para que ele pudesse se manter interessado. Conectado. E, assim, a professora de Matemática, Carmem Tavares, virou o xerife Woody, de Toy Story. A amiga Kethelen Lopes, 19, transformou-se na princesa Fiona... E, aos poucos, a turma foi se tornando A Turma.

Atividades adaptadas e acolhimento
As camisetas do Terceirão com o símbolo do autismo são síntese da troca que se estabeleceu. Eduardo Pernas tinha acabado de ingressar no Ensino Médio quando estourou a pandemia, em março de 2020. O desafio, portanto, se tornou ainda maior. Os vínculos precisariam ganhar forma a distância. Mas deu certo. Neste ano, de volta à sala de aula, os jovens - os mais manteiga derretida da escola, como descontrai a professora de Matemática - firmaram laços com Dudu e aprenderam formas de deixá-lo tranquilo nos momentos em que estava mais agitado ou queria ir embora mais cedo para casa.

“Tinha dias que a gente queria ir embora junto com ele”, descontrai Sany Garcia, 19, para a gargalhada geral. E a afinidade se estabeleceu de um jeito, que quando chegavam ‘certos’ professores, já era Dudu, na melhor versão brincalhão, quem afirmava: “Meu Deuzinho, eu vou embora”, conta Sany.

“A gente sabe que a inclusão é uma coisa que não se tem em todos os lugares. Então, esse é um aprendizado que a gente vai levar para o nosso futuro, pra sempre”, destaca Emilly Veleda, 18. E ainda que não seja porta-voz da 231, reitera um sentimento coletivo: “O Dudu é uma pessoa maravilhosa. A gente vai levar ele pro resto da nossa vida. Foi uma experiência incrível.

Enxergar os progressos e comemorar
O diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) foi fechado aos seis anos de idade. O contato em ambiente escolar, entretanto, havia começado aos dois anos. E nessa trajetória de mais de duas décadas como aluno, Dudu enfrentou boas e más experiências e, não raro, foi alvo de preconceito. “Quando se abre, se cria um espaço seguro de convivência e de aceitação, o resultado é incrível. Eu me emociono muito. É muito bonito”, enfatiza a mãe de Eduardo, Carla Pernas, ao agradecer aos adolescentes, na véspera da cerimônia desta sexta.

“Eu sei das limitações que o meu filho tem. Eu sei das dificuldades que isso representa pra escola, pros professores, mas é um caminho que tem que ser trilhado”, defende. E ensina, com o peso do coração de mãe: “Coisas que são fundamentais pra vida em sociedade que ele sabe hoje, são fundamentais pra todos: respeitar o próximo, entrar numa fila e esperar a sua vez, respeitar o silêncio. Isso é muito mais do que o conteúdo, de um quadro e giz que a escola tem pra oferecer”, sustenta Carla. “É o grande laboratório pra vida”.

E a equipe da Dom João Braga também festeja cada progresso. Destaque à monitora Vivian da Luz, que esteve literalmente ao lado do risonho Dudu. Destaque ao empenho de cada professor que buscou adaptar conteúdos, com a intenção de que ele pudesse estar inserido no conteúdo trabalhado em sala de aula, ainda que com outras atividades. No caso dos elementos químicos, por exemplo, ela não precisaria saber as fórmulas, mas poderia receber a informação de onde aquele elemento é encontrado na natureza.

Destaque aos muitos elos que se estabeleceram. Rapidamente. Foi o que ocorreu com a professora de Português, Jane Lima, que admite: ao receber a informação de que teria um aluno autista, logo, se questionou: “E agora o que eu faço? Na universidade, a gente não é preparado pra isso. Tem a inclusão, mas é uma inclusão teórica”, afirma. “Mas foi como um amor à primeira vista. Um dia, dei a mão pra ele, como costumava fazer e ele disse: ‘Te amo, guria’. E eu pensei, deu certo”, comemora Jane.

Por isso, receber o certificado de conclusão do Ensino Médio, hoje, é muito mais do que ter sido aprovado nesta ou naquela disciplina. “A escola não é só o ambiente de ler e escrever. A escola é um ambiente de aprender. E as aprendizagens são muito diversificadas e variadas. Não é só o que se lê e o que se escreve”, reforça Lisete. “Cada um precisa ter aquilo que precisa. É a chamada equidade. Cada um tem as suas particularidades”. E isso precisa ser enxergado. Respeitado. Valorizado. ​

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